OS DEVANEIOS DA MODERNA TEOLOGIA

A Ontologia do Amor
Sempre fomos 1

"Já não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus.
(Gálatas 3:28)
Parmênides, filósofo do ser, afirmou com convicção que o múltiplo é ilusão. Para ele, o Ser é uno, eterno, indivisível. O que parece ser dois é apenas aparência; na verdade, só há um — o mesmo, imutável, que habita em tudo.
Paulo, em Gálatas, ecoa esse mistério, mas em chave de amor: todos somos um em Cristo. Não apenas parecidos, não apenas irmãos — um só corpo, um só espírito, uma só essência.
Se só há Um Ser, como posso odiar sem odiar a mim mesmo?
Se somos um em Cristo, como posso ferir sem sangrar por dentro?
Cada ato de injustiça contra o outro é uma agressão contra mim mesmo.
Cada mentira que lanço sobre o outro escurece também meus próprios olhos.
Cada vez que viro o rosto, negando compaixão, é a mim que abandono.
Amar o próximo como a mim mesmo é, portanto, mais do que uma ética: é reconhecer a verdade mais profunda do universo — não há dois.
Só há Um.
E quando esse Um ama, é o amor que se reconhece no espelho. Quando esse Um cuida, é o cuidado que floresce em todos os cantos. Quando esse Um perdoa, é a eternidade que se reconcilia consigo mesma.
Logo, se engano, se roubo, se humilho o outro — não é ao outro. Sou eu mesmo que me traio, que me empobreço, que me diminuo.
Mas quando estendo a mão, quando abraço, quando sirvo... é o próprio Cristo que toca o Cristo em mim. É o Ser que se honra em sua única e infinita forma de existir: unidade.
Essa convergência entre Parmênides e Paulo talvez pareça improvável — um filósofo pré-cristão e um apóstolo de Cristo —, mas ambos, por caminhos distintos, tocaram o mesmo mistério: a unidade essencial do Ser.
Parmênides, pelo rigor da razão, afirma: “o Ser é uno, contínuo, indivisível”. Para ele, a multiplicidade é ilusão; tudo o que é real, é Uno. Paulo, iluminado pela revelação de Cristo, declara: “todos somos um em Cristo Jesus” — não como metáfora social, mas como realidade espiritual e ontológica.
A diferença é que, enquanto Parmênides vislumbrou esse Ser de forma abstrata, Paulo o viu encarnado. O Ser se fez carne, habitou entre nós, e nos convidou a viver Nele — não como indivíduos isolados, mas como um corpo vivo, inseparável, uno.
Por isso, ferir o outro é ferir o Uno. E ferir o Uno é ferir a mim mesmo.
A ética cristã do amor ao próximo não é apenas moral: é coerência com a estrutura do Ser.
Amar o outro, cuidar, perdoar, doar-se — é responder à verdade última da existência: nunca houve dois.
Sempre fomos Um.
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